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IICA |
Roberto Rodrigues falou a lĂderes rurais em encontro na Costa Rica
Por Mariana Tokarnia – RepĂłrter da AgĂȘncia Brasil*
O cooperativismo rural foi um dos temas centrais dos debates do primeiro Encontro de LĂderes Rurais que ocorre esta semana na Costa Rica, promovido pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA). "Ă uma solução extraordinĂĄria para incluir no mercado produtores pequenos e atĂ© mĂ©dios que, individualmente, seriam expulsos e excluĂdos do mercado", defendeu o coordenador do Centro de AgronegĂłcios da Fundação GetĂșlio Vargas (FGV) e ex-ministro da Agricultura, PecuĂĄria e Abastecimento do Brasil, Roberto Rodrigues, que participou do encontro de forma remota.
No Brasil, de acordo com a Organização das Cooperativas Brasileiras, Sistema OCB, 54% da produção agrĂcola vĂȘm de cooperativas. O paĂs Ă© considerado um modelo nesse quesito. Isso nĂŁo significa, no entanto, que todos os problemas estejam resolvidos e que nĂŁo haja desafios tanto de produção e organização quanto burocrĂĄticos. A conversa com Rodrigues foi uma das mais aguardadas, pois em toda a AmĂ©rica, de acordo com os lĂderes que participam do encontro, sobretudo para os pequenos produtores, as cooperativas apresentam-se como forma de organização.
Rodrigues define o cooperativismo como "doutrina que visa corrigir o social por meio do econÎmico". A cooperativa rural é associação de produtores para que possam, juntos, comercializar os produtos e ter acesso a serviços e mesmo a måquinas que, sozinhos, não conseguiriam. "A cooperativa oferece ao cooperado condiçÔes que individualmente não teria condiçÔes de resolver", diz Rodrigues. "As cooperativas agregam pequenos, transformando-os, em conjunto, em produtor que compete com grandes", acrescenta.
As situaçÔes sĂŁo diferentes nos paĂses, mas um ponto comum Ă© que o cooperativismo nĂŁo Ă© tarefa fĂĄcil. Para a secretĂĄria de Agricultura Familiar de BetĂąnia, no PiauĂ, Francisca Neri, uma das lĂderes que representam o Brasil no encontro, o cooperativismo Ă© a solução para a regiĂŁo onde vive, mas Ă© preciso que os mais jovens aprendam e tambĂ©m se entusiasmem sobre a forma de organização. "Como nĂłs vamos fazer as pessoas entenderem que o associativismo e o cooperativismo sĂŁo os negĂłcios do futuro, que estĂŁo acontecendo no presente e que a gente enquanto agricultor nĂŁo pode ficar de fora?", questiona. Ela defende que o cooperativismo seja ensinado nas escolas.
Em Honduras, segundo a lĂder Eodora MĂ©ndez, o desafio Ă© que os produtores permaneçam na cooperativa. "Muita gente pensou que cooperativismo era organizar-se e receber benefĂcios. Ă mais que isso, Ă© trabalhar em conjunto, aglutinando a produção e poder comercializar. Muita gente se retirou e somos poucos os que estamos em cooperativa. Muita gente jogou a toalha, mas estamos lutando sempre para que as cooperativas se mantenham", diz.
Eodora pertence ao povo originĂĄrio Lenca e vem de uma famĂlia que se dedica ao cultivo de grĂŁos e hortaliças. Foi presidente da Empresa Campesina Agroindustrial de Reforma AgrĂĄria de IntibucĂĄ (Ecarai), uma organização rural com visĂŁo empresarial que representa comunidades de uma das zonas do Departamento IntibucĂĄ. Seu trabalho impacta 325 pequenos agricultores. "Quando nos organizamos, temos alternativas de produção, podemos vender a preços melhores e Ă© preciso que isso funcione para que sigamos ativos", defende.
A lĂder brasileira Simone Silotti, defende que sejam criadas formas de facilitar a participação dos prĂłprios associados e a articulação entre cooperativas. Ela sugere a criação de uma plataforma "para dar transparĂȘncia Ă cooperativa, acompanhar as contas a pagar e a receber sem ter que esperar a prestação de contas. Podemos ter outras abas nessa plataforma para levar conhecimento e formação, inclusive para lĂderes de cooperativas que quase sempre sĂŁo pequenos produtores", afirma.
Silotti Ă© uma pequena produtora rural, de Quatinga, Mogi das Cruzes, SĂŁo Paulo, e Ă© criadora do Faça um Bem IncrĂvel, projeto que começou em 2020, em meio Ă pandemia, que busca reduzir o desperdĂcio rural, direcionando os alimentos que seriam descartados para pessoas em situação de vulnerabilidade. O projeto acabou transformando-se em cooperativa. Ela aponta a burocracia como um dos principais desafios e conta que foram mais de dois anos para que conseguissem se formalizar e acessar polĂticas pĂșblicas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) do MinistĂ©rio da Educação.
Roberto Rodrigues apresentou aos lĂderes as condiçÔes para que sejam formadas as cooperativas. Uma delas, segundo ele, Ă© que Ă© necessĂĄrio que as elas surjam do interesse dos prĂłprios produtores, por isso tambĂ©m Ă© preciso que a sociedade conheça e saiba o que Ă© cooperativismo. "Tem que vir de baixo para cima, como desejo do povo. Toda vez que governos tentaram impor, quando terminou o governo terminou o cooperativismo", disse. AlĂ©m disso, acrescentou, cooperativas sĂŁo como empresas, precisam ser viĂĄveis e Ă© preciso comprometimento dos associados.
Apesar das dificuldades apresentadas, Rodrigues incentivou os participantes: "Temos que lutar todos os dias. Eu dava aula e diziam que eu estava repetindo sempre a mesma coisa. Eu dizia: olha, os padres, nas igrejas, hĂĄ 2 mil anos falam a mesma coisa. Ă preciso repetir, repetir".
O primeiro Encontro de LĂderes Rurais promovido pelo IICA na Costa Rica reĂșne 42 produtores rurais presencialmente e remotamente, que foram reconhecidos pela organização como lĂderes rurais por causa do trabalho que desenvolvem em suas regiĂ”es. Eles representam praticamente todos os paĂses americanos. O encontro ocorre ao longo da semana, promovendo visitas tĂ©cnicas, consultorias e o intercĂąmbio de experiĂȘncias entre as lideranças.
*A repórter viajou a convite do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA).