*Michele Hastreiter e Mariane Silverio
No âmbito
do Direito Constitucional, 2023 ficou marcado por mais uma mudança nas regras
que disciplinam a nacionalidade brasileira. Com a promulgação da Emenda
Constitucional n° 131/23, em 03 de outubro, alterou-se pela quarta vez, desde a
entrada em vigor da Constituição em 1988, seu artigo 12, que disciplina as
condições para aquisição e perda da nacionalidade brasileira. A recente mudança
alterou os critérios para a perda da nacionalidade brasileira, excluindo a
hipótese da perda automática pela aquisição voluntária de outra nacionalidade.
O tema
era discutido no meio jurídico e no Congresso Nacional desde 2018, quando a
carioca Cláudia Sobral (Hoerig) teve sua nacionalidade cancelada. Ela foi
extraditada para os Estados Unidos da América, onde foi condenada pelo
homicídio de seu marido. Foi justamente o cancelamento de sua nacionalidade que
viabilizou a extradição, já que o Brasil não extradita brasileiros natos. A
carioca, que emigrou para os Estados Unidos em 1990, naturalizou-se
estadunidense em 1999. Ora, no texto vigente até recentemente, o parágrafo 4°,
inciso II, do artigo 12 da Constituição Federal previa o seguinte: “Será
declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que [...] adquirir outra
nacionalidade, salvo nos casos de a) reconhecimento de nacionalidade originária
pela lei estrangeira; b) de imposição da naturalização, pela norma estrangeira,
ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência
em seu território ou para o exercício de direitos civis”. Portanto, o referido
dispositivo só admitia a dupla nacionalidade, em caso de nacionalidade
estrangeira originária, como ocorre com inúmeros brasileiros descendentes de
imigrantes europeus, ou quando a naturalização resultasse de uma exigência do
sistema jurídico do país estrangeiro para viabilizar a permanência ou o
exercício de direitos civis em seu território. Em nenhuma destas hipóteses se
enquadrava a carioca, que tinha autorização para residir e trabalhar nos
Estados Unidos, pois era portadora de um “Green Card”.
À luz do
texto constitucional que vigorou até outubro passado, ao escolher uma outra
nacionalidade por livre e espontânea vontade, o indivíduo estaria renunciando à
sua condição de brasileiro. Ocorre que a notoriedade dada ao caso de
Cláudia Sobral na imprensa trouxe preocupação à comunidade brasileira que vive
no exterior. Muitos foram pegos de surpresa, pois haviam se naturalizado
estrangeiros sem conhecer que a naturalização poderia levar-lhes a perder a
nacionalidade brasileira. É fato que o governo brasileiro por muito tempo fez
“vistas grossas” à imensa quantidade de brasileiros que se naturalizavam em
outros países, deixando de promover de ofício o cancelamento de suas
nacionalidades, conforme previa a norma constitucional. A polêmica em torno do
caso de Cláudia Sobral foi o pano de fundo para a discussão e aprovação da
Emenda Constitucional n° 131/23. Com a mudança legislativa, o parágrafo 4° do
artigo 12 da Constituição Federal passou a vigorar com a seguinte redação:
- 4º - Será declarada a perda
da nacionalidade do brasileiro que:
I - tiver
cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de fraude
relacionada ao processo de naturalização ou de atentado contra a ordem
constitucional e o Estado Democrático;
II
- fizer pedido expresso de perda da nacionalidade brasileira perante autoridade
brasileira competente, ressalvadas situações que acarretem apatridia.
Enfim, o
estrangeiro naturalizado brasileiro pode perder a nacionalidade em decorrência
de um comportamento ilícito (fraude à naturalização ou atentado contra a ordem
constitucional e o Estado Democrático). Já o brasileiro nato só perderá a
nacionalidade brasileira se assim o desejar, devendo para tanto formular um
requerimento expresso. Aliás, mesmo aqueles que tenham requerido a perda da
nacionalidade brasileira poderão readquiri-la posteriormente, em caso de
arrependimento.
A mudança
insere o Brasil no rol dos países expressamente favoráveis à possibilidade de
polipatridia. Contudo, para Cláudia Sobral, que segue nos Estados Unidos
cumprindo pena pelo assassinato do marido, foi uma mudança tardia.
*Michele
Hastreiter e Mariane Silverio são do Departamento de Direito Comercial e
Societário e Direito Migratório da Andersen Ballão Advocacia
Sobre a
Andersen Ballão Advocacia – Fundado em 1979, o escritório atua na prestação de serviços jurídicos
nas áreas do Direito Empresarial e Comercial Internacional. Também possui
sólida experiência em outros segmentos incluindo o Direito Tributário,
Trabalhista, Societário, Aduaneiro, Ambiental, Arbitragem, Contencioso,
Marítimo e Portuário. Atende empresas brasileiras e estrangeiras dos
setores Agronegócios, Automotivo, Comércio Exterior, Energias, Florestal, Óleo
e Gás, TI, e Terceiro Setor, dentre outros. Com a maioria dos especialistas
jurídicos fluente nos idiomas alemão, espanhol, francês, inglês e italiano, o
escritório se destaca por uma orientação completa voltada para a ampla proteção
dos interesses jurídicos de seus clientes.